artigo da semana

-ETERNIDADE RELATIVA DAS PENAS DAS ALMAS-

Por José Amigó e Pellícer

Uma colaboração de Estênio Negreiros (estenio.gomesnegreiros57@gmail.com)

 

 

Capítulo XIX

 

Primeira parte

 

Defrontamos com o cavalo de batalha do Catolicismo Romano: o dogma do inferno eterno, com que ameaça os míseros mortais que não praticam a virtude a morrerem impenitentes; dogma horrendo, que, começando por incutir o desânimo, acaba por inspirar, nas almas fracas, o sentimento do desespero.

 

O inferno romano, substituindo o amor pelo terror, desnaturou completamente o gênio do Cristianismo; pois não há dúvida de que o dogma que mais influi, no ânimo dos fiéis, é o da eternidade das penas que flutua nos corações, muito por cima do sentimento do amor e da caridade, pedra de toque do Cristianismo evangélico.

 

Nem no Velho nem no Novo Testamento encontramos coisa alguma que se pareça com essa maldição eterna, que Roma põe nos lábios da Bondade e da Misericórdia infinitas. Encontramos, sim, severíssimas ameaças, que, no entanto, não cerram jamais a porta ao arrependimento e à reabilitação.

 

E a linguagem das Escrituras é quase sempre hiperbólica, especialmente na cominação dos castigos, em razão de não abrandarem nem se comoverem facilmente os corações aos quais era dirigida; e é a isto que devemos atribuir a aplicação da palavra eternidade, tratando-se dos sofrimentos espirituais.

 

No versículo 6, cap. VI da Epístola aos hebreus, São Paulo afirma ser impossível a reabilitação do que, uma vez iluminado, cai — e, no entanto, os comentaristas dão ao vocábulo impossível a significação de difícil.

 

Se, pois, impossível pode significar difícil, por que eterno não poderá significar longa duração?

 

Nenhuma falta pode o homem cometer cujas consequências sejam eternamente permanentes. Ele é limitado, e limite, por conseguinte, terá tudo que emanar da sua natureza.

 

A isto opõem, os que defendem a eternidade do inferno, que, se o pecado do homem não tem da parte deste o caráter ou selo do infinito, adquire-o, por ser infinita a entidade a que esse pecado ofende.

 

Estranha maneira de discorrer! Não seria mais lógico dizer que, quanto mais pequeno for o ofensor, menor é a importância da ofensa — e que, sendo infinita a distância que o separa, não há, nem pode haver, ofensa da criatura ao Criador?

 

A Igreja define os pecados mortais, dizendo que eles são ofensas graves, e que os veniais são ofensas leves contra Deus; mas, como haver ofensas leves, sendo o ofendido Deus, e se devemos julgá-las, não em relação ao ofensor, mas em relação ao ofendido?

 

Aceitando a lógica romana: se o castigo eterno merecem os pecados que se classificam de mortais, castigo eterno merecem os veniais, pois que uns e outros são ofensas a um Ser eterno e infinito.

 

O Espiritismo não compreende um Deus injusto, iracundo e vingativo; nega, por isso, a eternidade de penas, entendida em sua acepção rigorosa e absoluta, admitindo-a unicamente em um sentido relativo — no sentido de que a purificação há de ser tão duradoura quanto a impureza — e a expiação tão intensa quanto a maldade da falta. Terminaremos este parágrafo com as seguintes palavras de Isaías:

 

"Não castigarei eternamente e fim terá o meu rigor; porque de mim saíram os Espíritos, e eu criei as almas".(27)

 

O dogma do inferno vem magistralmente tratado na comunicação nº 23, da segunda parte deste livro. Recomendamos a leitura dessa comunicação.

 

(27) Isaias, 57: 16, segundo a Vulgata.