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-CONTINUAÇÃO DO MESMO TEMA - CONTRADIÇÕES EM QUE INCORRE A IGREJA CATÓLICA-

Por José Amigó e Pellícer

Uma colaboração de Estênio Negreiros (estenio.gomesnegreiros57@gmail.com)

 

 

Parte Segunda

 

Capítulo IX

 

Convém desvanecer uma preocupação muito vulgarizada entre os que condenam ou ridicularizam o Espiritismo, sem conhecerem suas práticas, nem terem tomado o incômodo de estudar suas doutrinas.

 

Supõem, de boa ou má-fé, que os médiuns se atribuem o poder de obrigar os Espíritos, de perturbar a paz dos sepulcros, arrancando deles, por meio de esconjuros ou palavras cabalísticas, as almas dos defuntos; de violar os segredos que oculta o silêncio da morte; de descobrir, pelos Espíritos, os arcanos do porvir, em uma palavra, de ordenar a seu talante as manifestações de além-túmulo, nem mais nem menos como se exercessem domínio absoluto sobre o mundo espiritual. Se assim fosse, o Espiritismo seria realmente o maior dos sacrilégios e a mais orgulhosa das profanações, e mereceria o desprezo e os anátemas de quantos creem na existência de Deus e na imortalidade da alma.

 

Por fortuna, semelhante suposição é caluniosa e balda de todo o fundamento.

 

Nenhum espírita tem a insensatez de atribuir-se autoridade de qualquer ordem sobre as almas e tudo espera da bondade dos seus próprios atos e da permissão divina.(47) Nenhum pretende dominar a vontade dos que foram; antes, pelo contrário, busca em seus venerandos conselhos o melhoramento próprio e a vitória da virtude.

 

Sabe que é filho de Deus e pede confiante a Seu Pai, que é o Pai de toda a Humanidade, luz para conhecê-Lo e sentimento para amá-Lo.

 

É tão doce o nome de pai!... Ao pronunciarem-no os lábios, abre-se o coração a todas as esperanças; porque o bom pai dá a vida pela saúde de seus filhos — e nossa saúde está nas mãos do Pai que está nos céus.

 

A evocação espírita não é um esconjuro supersticioso ou maléfico; é uma oração humilde e respeitosa, que se eleva ao Ser Supremo, a fim de que se digne inspirar-nos e fortalecer-nos na prática do bem, com o conselho dos Espíritos que durante a vida terrena conquistaram, por suas virtudes, o prêmio dos justos e a admiração dos homens.

 

É o terno suspiro do filho que invoca a proteção do Pai, é a fraqueza da criatura que se acolhe ao amparo do Criador, é o gemido dolorido do enfermo que procura a saúde, é o aceno da alma que deseja agradar a Deus e conhecer sua vontade, para respeitá-la e cumpri-la.

 

Não são cristãos estes propósitos e estas práticas? Diferem, porventura, das práticas e propósitos que derivam da moral evangélica? São as evocações mais do que preces dirigidas a Deus, pela intercessão dos nossos protetores, os santos, tão eficazmente recomendadas pela igreja católica romana?

 

Se nossas súplicas chegam até aos seres ditosos que vivem nas esferas da felicidade imortal, com igual razão chegarão a nós suas santas inspirações. Assim o aceita a igreja romana e pede frequentemente, para os homens, as inspirações superiores.

 

Cada santo goza, em seu conceito, de uma prerrogativa especial — e nós devemos invocar este ou aquele, segundo a natureza de nossas necessidades.

 

Assim, pois, podem ou não ser ouvidas as nossas preces? Podem ou não os santos exercer em nós suas proveitosas influências?

 

Claro está que sim; pois, de outra sorte, as orações aos santos seriam coisas inúteis e estéreis.

 

E, se podem, como Roma o assevera, que é isto senão a comunicação entre os Espíritos e os encarnados de que fala o Espiritismo?

 

Se S. João, por exemplo, pode inspirar-nos sentimentos de ternura e S. Paulo sentimentos de caridade, se Santa Luzia intervém na cura das enfermidades dos olhos, S. Roque na cura dos empestados, S. Romão nos desvairamentos, etc., etc., por que lhes negar o poder de fazer sensível sua intervenção?

 

Em vida curavam as enfermidades da alma e do corpo, pela virtude de seus piedosos rogos; não podem, depois de glorificados, pôr em movimento uma pena?

 

Cada nação, cada comarca, cada povo, venera em seus altares, de preferência, um determinado santo, que considera patrono e protetor e a ele recorre em suas necessidades e aflições; se veem ameaçados de tempestade, se dá algum tremor de terra, se a colheita corre perigo de perder-se, por falta de chuva, se alguma terrível enfermidade se desenvolve, o povo eleva fervorosos rogos ao seu santo tutelar e, por sua intervenção, a tempestade se amaina, o terremoto passa, a chuva rega os campos e as enfermidades cessam.

 

O clero católico não só permite, mas também, felizmente, fomenta estas crenças.

 

Mas, se um Espírito bem-aventurado pode encadear os ventos, dissipar as nuvens e diminuir os horrores da peste ou de outra qualquer praga, por que lhe negar a faculdade de dirigir o movimento de uma mão, para transmitir piedosas admoestações?

 

Para recorrer ao extremo de atribuir ao diabo as manifestações espirituais sensíveis, que condenam certos abusos?

 

Não há povo, nem família, que não conserve, em sua tradição ou em sua história, a recordação de alguma dessas manifestações que se transmitem piedosamente de pais a filhos e de geração em geração, tradições que o clero católico tem recolhido e respeitado, sem pensar em combater-lhes a origem como prejudicial e diabólica.

 

Aqui, é um Espírito bem-aventurado que aparece envolto em um círculo de luz, ali, um rumor de correntes que quebra o silêncio da noite, além, uma mão que escreve com caracteres de fogo, noutro ponto, uma voz sepulcral que pede missas para sair do purgatório. Espíritos celestiais, demônios, condenados, almas penadas; de tudo há nas tradições vinculadas ao Catolicismo e recolhidas em pequenos ou grandes volumes, para instrução e melhoramento dos fiéis.

 

E sem embargo, como acabamos de manifestar e todo o mundo sabe, jamais o clero romano impugnou por absurdas ou irreligiosas semelhantes tradições; aceitava a possibilidade dos fatos, como de permissão divina, ouvia relatá-los com piedosa unção, e com piedosa unção celebrava as missas e ajuntava os proventos que provinham das crenças da aparição das almas.

 

Se for possível haver comunicado entre os Espíritos e os homens, sem a intervenção do diabo, por que não o ser hoje? E, se não é possível, por que o clero não lançou o anátema contra as comunicações, quando nelas se exigiam a celebração de missas e legados à igreja?

 

Duas grandes verdades resultam do inconsequente procedimento da classe clerical: a primeira, a comunicação recíproca dos Espíritos com os homens cabem dentro dos princípios verdadeiramente cristãos, pois que recebeu em dias não remotos o assentimento da Igreja; segundo, o clero sacrifica a suas conveniências pessoais a verdade dos princípios, para dizer que o Espiritismo se propõe a destruir a religião cristã; quando, o que ele procura, é afirmá-lo, ainda que para consegui-lo seja forçoso arrancar a máscara aos que, sob a capa de religiosa piedade, exploram a ignorância dos fiéis.

 

(47) Não basta dizer-se espírita, é preciso conhecer as doutrinas e práticas. Não faltam espíritas de nome, que entendem tanto do Espiritismo, como a maior parte dos católicos romanos entendem do Catolicismo romano.