artigo da semana

-II PLURALIDADE DE MUNDOS E DE EXISTÊNCIAS. - REENCARNAÇÕES DOS ESPÍRITOS-

Por José Amigó e Pellícer

Uma colaboração de Estênio Negreiros (estenio.gomesnegreiros57@gmail.com)

 

 

Aqueles que desejarem fazer um estudo profundo e filosófico dos pontos que são o objeto deste capítulo, podem consultar as obras de Flammarion, Pezzani e Allan Kardec, que tratam deles com o desenvolvimento necessário. Na primeira parte do nosso livro apresentamos ao leitor algumas considerações acerca dos mesmos pontos, porém ligeiramente e sem desenvolvimentos filosóficos, tendo o propósito de dar sucinta ideia do Espiritismo como ciência e de manifestar a conformidade dos seus princípios com o sentimento e a razão. Vejamos agora se lhe é favorável à opinião da revelação, como foi a da filosofia, e assim as consciências timoratas se persuadirão de que o Espiritismo, longe de hostilizar o sentimento religioso, é a sua legítima expressão.

 

Abramos o Antigo e o Novo Testamento, os Profetas e os Evangelhos, a revelação primitiva e a revelação cristã, e busquemos a verdade, para abraçá-la e defendê-la, em suas inspiradas páginas.

 

Leiamos e meditemos:

 

“Pergunta pois às gerações passadas e examina com cuidado as memórias de nossos pais: Porque somos de ontem e o ignoramos, porquanto os nossos dias passam sobre a Terra como uma sombra. (Jó, 8: 8 e 9.)”

 

Jó com essas palavras proclama a justiça de Deus. Se não te recordas de ter na presente vida corporal cometido faltas que te façam merecedor dos sofrimentos que torturam o teu corpo e laceram o teu coração, pergunta-o as gerações passadas, procura investigar se e possível teres delinquido em outras existências precedentes, pois somos de ontem, já vivemos em outros tempos, ainda que o tenhamos esquecido, por nos impedir a matéria, como uma espessa sombra, a representação do quadro das nossas anteriores existências.             “Crês porventura que um homem morto torne a viver? Todos os dias da presente vida, estou esperando que chegue a minha mudança. (Jó, 14: 14.)”

 

Jó eleva o seu coração ao Senhor, e a pergunta que lhe dirige é a expressão da esperança que ele acalenta no fundo da sua alma. Crê, ou antes, pressente a encarnação — e esse pressentimento dá-lhe forças para suportar resignado os trabalhos da sua presente vida, esperando que chegue a sua mudança: outra vida feliz, como resultado da expiação que sofre, ou da prova a que se acha submetido.

 

“Pois sei que vive o meu Redentor, e que no último dia hei de ressuscitar da Terra; e de novo serei coberto com a minha pele, e na minha carne verei a meu Deus. (Jó, 19: 25 e 26.)”
O pressentimento da reencarnação se converteu em certeza, quase em evidência, no ânimo de Jó; já ele sabe que ressuscitará de novo na Terra, envolto na sua pele e com um corpo carnal, no qual verá a misericórdia do seu Deus concedendo-lhe outra vida de prova para conquistar pelos seus merecimentos um grau mais elevado de felicidade e perfeição.            “Quantas vezes será apagada a luzerna dos ímpios e lhes sobrevirá inundação e lhes dilacerarão as dores do seu furor? (Jó, 21: 17.)”

 

Os ímpios, pertinazes na sua impiedade, verão apagada repetidas vezes à luzerna da sua vida, até que se arrependam e se convertam ao Senhor. Voltarão à erraticidade(54) frequentemente, para expiarem pelo remorso as obras do seu iníquo coração e renascerão na vida do corpo, para reparar os males cometidos em suas anteriores existências. Morrerão uma, outra e outra vez, até que tenham sufocado em sua alma a iniquidade e o desejo de infringir a lei da consciência e do dever.

 

“Quantas tribulações penosas me tens feito provar: e, voltando a mim, me tens dado vida, e dos abismos da Terra outra vez me tens tirado. Tens multiplicado a tua magnanimidade, e, voltando a mim, me tens consolado. (Salmos, 70: 20 e 21.)

 

Davi, em um momento de inspiração superior, fala das suas passadas existências, e, recordando as tribulações sofridas, entoa hinos de louvor ao Senhor por tê-lo feito voltar à vida, tirando-o do sepulcro dos abismos da terra.

 

“E passaram os seus dias em coisas vãs, e os seus anos com grande fadiga.

 

Quando (o Senhor) os fazia morrer, eles o buscavam, voltavam e se convertiam. (Salmos, 77: 33 e 34.)”

 

Os maus, os pecadores endurecidos, viviam na vaidade e a sua vida era apressada e curta. Só se lembravam do Senhor depois da morte, e, então, buscavam-No, e a misericórdia do Pai lhes concedia a volta à vida, para que O reconhecessem e adorassem.         “Porventura estarás sempre irado contra nós e estenderás a Tua ira de geração em geração? Oh, Deus. Tu, voltando para nós, nos darás vida, e o Teu povo se alegrará de tT. (Salmos, 84: 6 e 7.)”

 

O salmista fala a linguagem do pecador arrependido; teme que a indignação do Senhor o persiga através de diversas existências, isto é, de geração em geração; porém, a esperança renasce logo no seu peito; entrevê outra encarnação, outra vida, não de torturas e tribulações, mas de paz e de felicidade para alegrar-se no Senhor.

 

“Porque a Tua misericórdia sobre mim é grande, e tiraste a minha alma do inferno inferior. (Salmos, 85: 13.)”

 

Eu morava, Senhor, diz Davi, em outro mundo inferior a este, onde os sofrimentos humanos são maiores; porém, a Tua misericórdia é grande sobre mim e, compadecido das minhas misérias, tiraste dali a minha alma e me permitiste vir descansar aqui, melhorando a sorte do meu Espírito.

 

“E clamaram ao Senhor, quando se viram atribulados, e Ele livrou-os das suas necessidades. Enviou a Sua palavra e os curou, e livrou-os do que lhes era mortal. (Salmos, 106: 19 e 20.)”

 

Clamaram ao Senhor os pecadores do sepulcro e Ele compadeceu-se enviando a Sua palavra de vida, levantou-os da morte tantas vezes quantas eles recorreram à Sua misericórdia infinita.

 

“Ai de vós, homens ímpios que abandonastes a lei do Senhor Altíssimo! Se nascerdes, nascereis em maldição; se morrerdes, a maldição será a vossa herança. (Eclesiástico, 41: 11 e 12.)”

 

Ai de vós que andais na abominação e no pecado, porque, se sois mortos, nascereis trazendo convosco a maldição das vossas obras e, se vivos, morrereis e a vossa memória será amaldiçoada!

 

“Porque, eis aqui estou Eu que crio novos céus e nova Terra: não persistirão na memória as primeiras calamidades, nem elas subirão ao coração. (Isaías, 65: 17.)”

 

Isaías põe na boca do próprio Deus a sanção da crença espírita acerca da pluralidade dos mundos; a atividade divina não cessa jamais e continua a tirar, do caos, céus novos e terras novas para moradas da grande família humana.

 

“Esperança de Israel, Senhor! Todos os que Te deixam, serão confundidos; os que de ti se retiram, serão escritos sobre a Terra. (Jeremias, 17: 13.)”

 

Os que abandonam a lei do Senhor durante a sua peregrinação pela Terra, na Terra serão escritos, ou, em outros termos, voltarão outra e outra vez a Terra, até que mereçam pelas suas obras renascer em mundos superiores.

 

“E porei os meus olhos favoravelmente sobre eles, e restituí-los-ei a este país; edificá-los-ei e não os destruirei; plantá-los-ei e não os arrancarei. (Jeremias, 24: 6.)”            “Porque chegam os dias, diz o Senhor, e farei com que voltem, os que tenham de voltar do meu povo de Israel e de Judá à terra que dei a seus pais — e eles a possuirão. (Jeremias, 30: 3.)”

 

“Com choro virão, mais com misericórdia os tornarei a trazer. E assim como vigiei sobre eles, para desarraigar, demolir, dissipar, arruinar e afligir, do mesmo modo vigiarei sobre eles para edificar e plantar, diz o Senhor. (Jeremias, 31: 9 e 28.)”

 

“E farei com que voltem os cativos de Judá e os cativos de Jerusalém, e restabelecê-los-ei como desde o princípio. Isto diz o Senhor: Neste lugar que dizeis estar deserto, ouvir-se-á ainda: Voz de gozo e voz de alegria, pois farei voltar aos que venham da Terra, como no princípio isto diz o Senhor. Tampouco rejeitarei a linguagem de Jacó e de Davi meu servo, para não tomar da sua geração príncipes da estirpe de Abraão, de Isaque e de Jacó, porque farei Voltar deles aos que venham, e apiedar-me-ei. (Jeremias, 33: 7, 10, 11 e 26.)”

 

Com tanta clareza, o profeta, nesses versículos, fala da reencarnação dos Espíritos, que consideramos ocioso qualquer comentário encaminhado a esclarecer o sentido. Basta a simples exposição dos textos para se compreender que o Senhor, apiedado dos que vão a juízo com impurezas, os faz voltar a Terra, a fim de empreenderem de novo a tarefa do seu aperfeiçoamento progressivo.

 

“Isto diz o Senhor Deus: Eis aí vou eu abrir os vossos túmulos; tirar-vos-ei dos vossos sepulcros e vos introduzirei na terra de Israel. E sabereis que sou o  Senhor, quando eu tiver aberto os vossos sepulcros e vos houver tirado dos vossos túmulos, e tiver infundido o meu espírito em vós, e tiverdes recobrado a vida; e vos farei repousar sobre a vossa terra, e sabereis que sou o Senhor que falou e fez, isto diz o Senhor Deus. (Ezequiel, 37: 12, 13 e 14.)”

 

Não se pode falar mais claramente da pluralidade das existências da alma. É verdade que ele não frisa a reencarnação, mas parece-lhe que essa pluralidade de existências se dá antes pela ressurreição dos corpos do que pelo renascimento; entretanto, é preciso levar em conta que as profecias eram dirigidas a um povo material e ignorante, incapaz de compreender o que lhe não falasse aos sentidos.

 

“Eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o dia grande e horrível do Senhor. (Malaquias, 4: 5.)”

 

“Se puderdes compreender, ele (João Batista) é o Elias que tinha de vir. (Mateus, 11: 14.)”

 

“E Jesus falou aos seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens que é o Filho do homem? E eles responderam: Uns dizem que é João Batista, outros que é Elias, outros ainda que é Jeremias ou algum dos profetas. (Mateus, 16: 13 e 14.)”

 

“E Jesus respondeu-lhes: Elias realmente tem de vir; e restabelecerá todas as coisas. Mas, eu vos digo que Elias já veio e eles não o conheceram; antes (fizeram com ele tudo o que quiseram. Assim também farão padecer ao Filho do homem. E os discípulos compreenderam que se lhes falava de João Batista. (Mateus, 17: 11, 12 e 13.)”

 

A reencarnação do profeta Elias, vaticinada por Malaquias no versículo citado, vem corroborar de um modo terminante os textos copiados do Evangelho segundo S. Mateus. Ele é, diz Jesus, o Elias que tinha de vir.

 

Quererão uma confirmação mais perfeita da pluralidade das existências da alma, do que a palavra de Jesus? E como se não bastasse essa confirmação categórica, ou talvez com o fim de que os seus discípulos não pudessem conservar nenhuma dúvida acerca do cumprimento da referida profecia, o Mestre lhes dirige a palavra em outra ocasião, dizendo: "Elias em verdade há de vir; mas eu vos digo que ele já veio, e o não reconheceram, mas fizeram com ele tudo o que quiseram." Foi então que os discípulos compreenderam que ele falava de João Batista; Jesus, que penetrava nos pensamentos de todos, nada acrescentava a fim de desvanecer neles a ideia da reencarnação de Elias na pessoa de João, como indubitavelmente o teria feito, caso fosse ela errônea ou contrária à verdade.

 

Vê-se também que a crença na reencarnação não era nova entre os judeus e que geralmente a aceitavam e professavam sem reserva. Segundo o que foi respondido pelos discípulos, havia judeus que tomavam Jesus por João Batista, outros por Elias, outros por Jeremias ou algum profeta reencarnado.

 

Sem estarem iniciados no conhecimento da reencarnação dos Espíritos, como poderiam os judeus suspeitar que a pessoa de Jesus podia ser o Espírito reencarnado de algum dos profetas, mortos tantos anos antes? Por isso, nada há de estranho que os comentadores da Bíblia, aferrados à crença irracional de uma existência única, não tenham podido explicar satisfatoriamente essas e outras passagens bíblicas que se referem ao renascimento das almas.

 

“Eis o testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para lhe perguntarem: Quem és tu? És Elias? Ele disse: Não sou. És profeta? Ele respondeu: Não. (João, 1: 19 e 21.)”

 

Os judeus, assustados com a fama do Batista e iniciados na teoria da reencarnação das almas, enviam de Jerusalém sacerdotes e levitas, homens sábios e versados no conhecimento das escrituras, para indagar qual dos profetas históricos podia ser o homem que falava cheio de espírito profético. É certo que João, respondendo aos sacerdotes, afirma não ser Elias, mas isso nada prova contra a reencarnação.

 

Isso faz apenas supor que João, como os demais homens, não se recordava das suas existências anteriores, e só pôde afirmar sinceramente que não era Elias, por não se lembrar de havê-lo sido. Somente Jesus podia sabê-lo pela sua natureza superior, e, por sabê-lo, revelou-o aos seus discípulos quando julgou conveniente, estabelecendo assim um luminoso farol para a ulterior compreensão de vários pontos obscuros das Sagradas Escrituras.

 

“Havia um homem dos fariseus, chamado Nicodemos, príncipe dos Judeus. Ele veio ter com Jesus, à noite, e lhe disse: Rabi, sabemos que és Mestre vindo de Deus, porque ninguém, sem estar com Deus, pode fazer os milagres que tu fazes. Jesus, em resposta, disse: Em verdade, em verdade te digo, que só verá o reino de Deus aquele que renascer de novo. Nicodemos replicou: Como pode um homem nascer sendo já velho porventura pode-se voltar ao ventre materno e nascer outra vez? Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo que não pode entrar no reino de Deus senão aquele que renascer da água e do espírito santo(55); O que é nascido da carne, é carne; o que nasceu do espírito, é espírito. Não te maravilhes por eu te dizer que é necessário nasceres outra vez. Nicodemos diz: Como pode isso suceder? E Jesus respondeu: Tu és mestre em Israel, e ignoras essas coisas? (João, 3: 1-7, 9 e 10.)

 

Jesus revela uma vez ainda, falando com Nicodemos, o segredo da pluralidade das existências e da reencarnação das almas. Não é somente Elias quem renasce, mas o renascimento é necessário a todos os homens, para se purificarem e alcançarem a felicidade; o renascimento é da água e do espírito, ou por outra, da matéria ou carne e da substância espiritual. Nicodemos, movido pela curiosidade, quer saber da boca do Mestre como se operam as reencarnações, e contesta com perguntas capciosas as afirmações de Jesus; mas este, em vez de aclarar as orgulhosas dúvidas de Nicodemos e em vez de satisfazer a curiosidade, único sentimento que impele Nicodemos, repreende-o dizendo: Tu és mestre em Israel, e devias conhecer o sentido das Escrituras; mas parece que desconheces o das minhas palavras e duvidas da verdade do que digo, quando não faço mais do que esclarecer o que está escrito no Antigo Testamento.

 

“Há muitas moradas na casa de meu Pai. Se assim não fosse, eu vo-lo teria dito. Vou preparar o lugar para vós. (João, 14: 2.)”

 

A casa de Deus é o Universo, e as moradas ou habitações dos homens são a Terra e os demais astros disseminados no Universo pela onipotente mão do Criador. Se assim não fosse, se a única habitação ou morada do homem fosse a Terra em que habitamos, Jesus tê-lo-ia dito aos Apóstolos, a fim de que não esperassem melhorar em outro mundo as condições da sua existência. Os discípulos, estando desanimados, com o receio da próxima separação do seu Mestre, precisam de palavras de consolo, e o coração amoroso de Jesus lhas prodigaliza. — Recuperai a paz e a alegria da alma, diz-lhes ele; não vos perturbeis nem vos deixeis abater, porque vou para meu Pai, pois essa separação não há de ser para sempre. Na casa de meu Pai há muitas moradas, além da Terra, e nelas nos tornaremos a ver e continuaremos no amor que aqui nos une. Não faço mais do que preceder-vos; vau preparar o vosso lugar em outro mundo.

 

“No qual (Cristo) fomos também chamados por sorte, predestinados segundo o decreto daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade, para que sejamos em louvor da sua glória, nós que antes havíamos esperado no Cristo. (Paulo aos Efésios, 1: 11 e 12.)”

 

O Apóstolo parece felicitar-se e felicitar os que, tendo em existências anteriores, pertencido ao número dos que acreditavam e esperam na vinda do Messias, tiveram a sorte de renascer na época do estabelecimento da igreja cristã, para celebrizarem aquele a quem haviam esperado.

 

“Esperamos, porém, segundo as suas promessas, novos céus e terra nova, nos quais exista a justiça. (II Pedro, 3: 13.)”

 

Jesus Cristo havia dito aos Apóstolos que ia preparar-lhes o lugar em alguma das muitas moradas da casa de seu Pai; e Pedro, que não esqueceu a consoladora promessa de Jesus, a recorda aos judeus em segunda epístola, seguramente com o desejo de que, pelas suas virtudes e piedade cristã, eles se façam merecedores da terra prometida.

 

(54) Erraticidade: no contexto espírita, Estado em que o Espírito em evolução passa no plano espiritual entre uma e outra reencarnação — N. E.

 

(55) O adjetivo santo que segue à palavra espírito neste ponto da Bíblia, anotada pelo padre Scio, não aparece em outras Bíblias, nem é de supor que se achasse no original primitivo.

 

Do livro Roma e o Evangelho, distribuição do Portal Luz Espírita (http://www.luzespirita.org.br)