artigo da semana
-A EVOLUÇÃO INTELECTO-MORAL-
Por Marta Antunes Moura* (martaantunes@febnet.org.br)
Uma colaboração de Estênio Negreiros (estenio.gomesnegreiros57@gmail.com)
Resumo
O texto apresenta conceitos de inteligência, de intelecto e de moral, considerados os instrumentos da evolução humana. Analisa, à luz do entendimento filosófico, científico e do Espiritismo, como é possível o Espírito evoluir intelectual e moralmente, por intermédio do aprimoramento da inteligência e do desenvolvimento da consciência moral, que tem como base a prática da Lei de Amor ensinada por Jesus.
Palavras-chave
Inteligência, intelecto, moral; evolução dos seres vivos e da espécie humana; conhecimento, moralidade, Amor de Deus.
O Espírito Emmanuel afirma que
[…] duas asas conduzirão o espírito humano à presença de Deus.
Uma chama-se amor; a outra, sabedoria.
Pelo amor, que, acima de tudo, é serviço aos semelhantes […]; e pela sabedoria, que começa na aquisição de conhecimento […].¹
Complementa estas ideias ao afirmar:
[Através do amor valorizamo-nos para a vida.
Através da sabedoria somos pela vida valorizados.²]
Com esses esclarecimentos, o Espírito benfeitor apresenta-nos brilhante síntese da evolução intelecto-moral do ser humano, estudada ao longo da História da Civilização, desde a mais remota Antiguidade, sendo que, a partir da segunda metade do século XX, ocorreu significativo impulso científico voltado para o estudo da evolução biológica humana e dos demais seres da Natureza. Com a associação da Ciência à Tecnologia o conhecimento intelectual tem se expandido aceleradamente. Entretanto a despeito do significativo progresso científico-tecnológico, percebe-se que há muitas lacunas nas publicações científicas. Tais lacunas existem porque o foco dos estudos e experimentos científicos fundamenta-se na vida que transcorre no plano físico, desconhecendo ou ignorando que a evolução dos seres da Criação ocorre, simultaneamente, nos diferentes planos da vida, o físico e o espiritual.
A evolução intelecto-moral é o cerne dos postulados da Doutrina Espírita, assim especificados no Preâmbulo da obra “O que é o Espiritismo”, de Allan Kardec: “O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, da origem e do destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corpóreo.”³ Conceito que, em outras palavras, significa dizer:
“O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, consiste nas relações que se podem estabelecer entre nós e os Espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que decorrem de tais relações.⁴”
Para compreender como ocorre a evolução intelecto-moral, em especial a do ser humano, é de fundamental importância que o indivíduo tenha conhecimento das coisas, que o “[…] homem saiba de onde vem, para onde vai e por que está na Terra […]”⁵. Com esse entendimento, Léon Denis (1846–1927), respeitável filósofo espírita do passado, apresenta-nos esclarecida visão panorâmica do processo evolutivo dos seres vivos da Natureza, que se mantém atual:
“[…] Na planta, a inteligência dormita; no animal, sonha; só no homem acorda, conhece-se, possui-se e torna-se consciente; a partir daí, o progresso, de alguma sorte fatal nas formas inferiores da Natureza, só se pode realizar pelo acordo da vontade humana com as Leis Eternas.”⁶
A evolução intelecto-moral do ser humano está assentada em duas bases ou matrizes, respectivamente: aprimoramento da inteligência, que se apoia no desenvolvimento do intelecto; aquisição e desenvolvimento de virtudes. De forma ampla e de acordo com o dicionário, Inteligência, significa:
Faculdade de conhecer; compreender e aprender; 2. capacidade de compreender e resolver novos problemas e conflitos e de adaptar-se a novas situações; 3. conjunto de funções psíquicas e psicofisiológicas que contribuem para o conhecimento, para a compreensão da natureza das coisas e do significado dos fatos. 4. Modo de interpretar, de julgar; interpretação, juízo.⁷
A inteligência se desenvolve por meio da capacidade intelectual. Ainda que ambos os conceitos estejam correlacionados, intelecto é função cerebral consciente que viabiliza a manifestação da inteligência.⁸ Neste contexto, podemos afirmar que o homem primitivo é considerado um ser inteligente porque tem capacidade de conhecer, compreender e aprender, mas o seu intelecto é muito pouco desenvolvido, uma vez que os seus conhecimentos são escassos. Quanto maior for sua aquisição intelectual, mais inteligente se revela o ser humano.
O Espiritismo esclarece que inteligência e intelecto evoluem de forma gradual, como tudo na Natureza: a inteligência humana, propriamente dita, começa com a emissão de pensamentos contínuos, consequentes da humanização do princípio inteligente. Assim, a inteligência humana resulta da capacidade do ser emitir pensamentos contínuos, condição que não ocorre nos animais. Estes possuem inteligência rudimentar porque os seus pensamentos são descontínuos (e específicos dos diferentes grupos evolutivos existentes). A capacidade intelectiva dos animais advém dos atos instintivos e do hábito (automatismo biológico). Contudo nem sempre é possível estabelecer um limite entre o instinto, propriamente dito, e a inteligência, sobretudo nos processos primários da evolução humana. Por mais que o homem progrida intelectualmente e aprenda a dominar os impulsos da vontade, há instintos que permanecem e são refletidos nos automatismos biológicos. Daí os Espíritos Superiores afirmarem:
“[…] o instinto existe sempre, mas o homem o despreza. O instinto também pode conduzir ao bem. Ele quase sempre nos guia e algumas vezes com mais segurança do que a razão. Nunca se engana.”⁹
As contribuições do instinto representam, a priori, experiência bem-sucedida da sobrevivência da espécie, adequadamente incorporada à memória integral do homem e dos animais. O aprendizado parcial, ainda não automatizado, não se manifesta como ato instintivo, pois o “[…] instinto não raciocina; a razão permite a escolha e dá ao homem o livre-arbítrio”¹⁰.
Todas as conquistas evolutivas são arquivadas na memória integral do Espírito que são manifestadas no perispírito do ser. A propósito, André Luiz esclarece:
“[…] Assim como o aperfeiçoado veículo [físico] do homem nasceu das formas primárias da Natureza, o corpo espiritual foi iniciado também nos princípios rudimentares da inteligência. É necessário não confundir a semente com a árvore ou a criança com o adulto, embora surjam na mesma paisagem de vida. O instrumento perispirítico do selvagem deve ser classificado como protoforma humana, extremamente condensado pela sua integração com a matéria mais densa. Está para o organismo aprimorado dos Espíritos algo enobrecidos, como um macaco antropomorfo está para o homem bem-posto das cidades modernas. Em criaturas dessa espécie, a vida moral está começando a aparecer e o perispírito nelas ainda se encontra enormemente pastoso. Por esse motivo, permanecerão muito tempo na escola da experiência, como o bloco de pedra rude sob marteladas, antes de oferecer de si mesmo a obra-prima… […].”¹¹
Complementa o teor das suas ideias relacionadas à evolução, assim se expressando:
“[…] Despenderão séculos e séculos para se rarefazerem, usando múltiplas formas, de modo a conquistarem as qualidades superiores que, em lhes sutilizando a organização, conferir-lhes-ão novas possibilidades de crescimento consciencial. O instinto e a inteligência pouco a pouco se transformam em conhecimento e responsabilidade e semelhante renovação outorga ao ser mais avançados equipamentos de manifestação… O prodigioso corpo do homem na crosta terrestre foi erigido pacientemente, no curso dos séculos, e o delicado veículo do Espírito, nos planos mais elevados, vem sendo construído, célula a célula, na esteira dos milênios incessantes…”¹²
A inteligência, como faculdade do Espírito, desenvolve-se não só pelas aquisições intelectuais características do pensamento racional e lógico, mas, também, por outros meios, como a intuição e outras percepções psíquicas, assim como pela capacidade de criar e utilizar instrumentos, como ferramentas de trabalho e de arte, por exemplo. Todavia a inteligência não basta por si só. A ascensão do Espírito requer, igualmente, aprendizado moral, guia orientador das consequências dos atos humanos. Daí Emmanuel enfatizar que, no processo evolutivo intelecto-moral, há “[…] o imperativo de marcharem juntas a inteligência e a bondade.¹³ Bondade que se conquista por meio da prática moral:
Bondade que ignora é assim como o poço amigo em plena sombra, a dessedentar o viajor sem ensinar-lhe o caminho. Inteligência que não ama pode ser comparada a valioso poste de aviso, que traça ao peregrino in[1]formes de rumo certo, deixando-o sucumbir ao tormento da sede. Todos temos necessidade de instrução e de amor.¹⁴
Amor puro, na verdade, que se manifesta no Evangelho de Jesus, que […] é reflexo do Criador em todas as criaturas. Brilha em tudo e em tudo palpita na mesma vibração de sabedoria e beleza. É fundamento da vida e justiça de toda a Lei.¹⁵
A palavra moral deriva dos termos latinos mos, mores, que significam costumes que, por sua vez, indica “a maneira de se comportar regulada pelo uso”¹⁶. A moral procura explicar que os costumes sociais se expressam por meio do caráter e dos sentimentos humanos. Em termos filosóficos, moralé o “conjunto de valores, individuais e coletivos, considerados universalmente como norteadores das relações sociais e da conduta humana”¹⁷. O pensamento espírita está sintonizado com este conceito:
“A Moral é a regra de bem proceder, isto é, a distinção entre o bem e o mal. Funda-se na observância da Lei de Deus. O homem procede bem quando faz tudo pelo bem de todos, porque então cumpre a Lei de Deus.”¹⁸
O famoso filósofo iluminista François-Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire (1694–1778), amplia o conceito de moral, que extrapola os dogmas religiosos e as superstições:
A moral não está na superstição, não está nas cerimônias, nada tem de comum com os dogmas. Nunca será demais repetir que todos os dogmas são diferentes e que a moral é a mesma em todos os homens que usam da razão. A moral, portanto, vem de Deus, como a luz. Nossas superstições não passam de trevas. […].¹⁹
Entendida como valor universal, a moral é, pois, inerente ao homem, independentemente do meio social no qual ele se encontra inserido. Mas a moralidade humana é paulatina, como toda aquisição do Espírito imortal. O desenvolvimento do senso moral permite ao Espírito discernir o bem do mal. A moralização fornece subsídios à construção de normas de conduta, coletivas e individuais, dos costumes, religião e tradições. Como ensina o Espiritismo:
“O bem é tudo o que é conforme à Lei de Deus, e o mal é tudo o que dela se afasta. Assim, fazer o bem é proceder de acordo com a Lei de Deus, fazer o mal é infringir essa lei.”²⁰
O Espírito seriamente com[1]prometido em se transformar em pessoa melhor admite que é preciso saber distinguir o bem do mal, a fim de agir com acerto. A respeito, há uma regra de conduta, denominada Regra de Ouro, que se encontra no Evangelho e foi também ensinada por Jesus como guia seguro de desenvolvimento da conscientização e controle dos nossos atos:
“Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas.” (Mateus, 7:12. Bíblia de Jerusalém).
Complementando essa sábia instrução universal, há outra, também ensinada por Jesus (Mateus, 7:1 a 3, 5. Bíblia de Jerusalém).
“Não julgueis para não serdes julgados. Pois, com o julgamento com que julgais sereis julgados, e com a medida com que medis sereis medidos. Por que reparas no cisco que está no olho do teu irmão, quando não percebes a trave que está no teu? […] Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão.”
O desenvolvimento da consciência moral, à semelhança do aperfeiçoamento da inteligência, ocorre ao longo das reencarnações sucessivas e aprendizados na realidade extrafísica. São conquistas graduais, tanto maiores quanto mais esforços forem envidados para fazer o bem, pois “A Lei de Deus é a mesma para todos: mas o mal depende principalmente da vontade que se tenha de o praticar. O bem é sempre bem e o mal é sempre o mal, seja qual for a posição do homem: a diferença está no grau de responsabilidade.”²¹ O estágio evolutivo atual da maioria dos habitantes da Terra demonstra que o progresso intelectual ainda antecede o progresso moral. Chegará, porém, o dia em que ambos os progressos se equilibrarão, pois, “[…] o Espírito deve progredir em ciência e em moralidade; se somente se adiantou num sentido, é preciso que se adiante no outro para alcançar o topo da escala. […].”²²
N.A.: Vice-presidente da Federação Espírita Brasileira, responsável pela Área de Unificação – Brasília (DF).
REFERÊNCIAS:
¹ XAVIER, Francisco Cândido. Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19. ed. 14. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 4 – Instrução.
² XAVIER, Francisco Cândido. Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19. ed. 14. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 4 – Instrução.
³ KARDEC, Allan. O que é o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 9. imp. Brasília, DF: FEB, 2021.
⁴ KARDEC, Allan. O que é o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 9. imp. Brasília, DF: FEB, 2021.
⁵ KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 13. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 6. it. 4.
⁶ DENIS, Léon. O problema do ser, do destino e da dor. 32. ed. 11. imp. Brasília, DF: FEB, 2019. 1a pt., cap. 9 – Evolução e finalidade da alma.
⁷ HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. verbete: Inteligência, p. 1.094.
⁸ THOMAS, Clayton Lay. (Coord.). Dicionário médico enciclopédico Taber. Trad. Fernando Gomes do Nascimento. 17. ed. ilust. 1. ed. brasileira. Barueri, SP: 2000. verbete: Intelecto, p. 956.
⁹ KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. q. 75
¹⁰ KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. q. 75-a.
¹¹ XAVIER, Francisco Cândido. Entre a Terra e o céu. Pelo Espírito André Luiz. 27. ed. 13. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 21 – Conversação edificante.
¹² XAVIER, Francisco Cândido. Entre a Terra e o céu. Pelo Espírito André Luiz. 27. ed. 13. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 21 – Conversação edificante.
¹³ XAVIER, Francisco Cândido. Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19. ed. 14. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 4 – Instrução.
¹⁴ XAVIER, Francisco Cândido. Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19. ed. 14. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 4 – Instrução.
¹⁵ XAVIER, Francisco Cândido. Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19. ed. 14. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. cap. 30 – Amor.
¹⁶ ARANHA, Maria Lúcia; MARTINS, Maria Helena. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. rev. São Paulo: Moderna, 2003. cap. 23, p. 301.
¹⁷ HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. verbete: Moral, p. 1.316.
¹⁸ KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. q. 629.
¹⁹ VOLTAIRE. Dicionário filosófico. Trad. Ciro Mioranza e Antonio Geraldo da Silva. São Paulo: Editora Escala, 2008. p. 403.
²⁰ KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. q. 630.
²¹ KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. q. 636.
²² KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. q. 192.
Publicado na página https://www.souleitorespirita.com.br/reformador/ em 23/01/2023.