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-EXEGESE HISTÓRICA DOS ATOS DOS APÓSTOLOS - O ESPÍRITO SANTO E A ASCENÇÃO DE JESUS-

De Cairbar Schutel

Uma colaboração de Estênio Negreiros (estenio.gomesnegreiros57@gmail.com)

 

 

No primeiro livro relatei, ó Teófilo, todas as coisas a fazer e a ensinar, até o dia que foi recebido em cima, depois de haver dado preceitos pelo Espírito Santo aos Apóstolos que escolhera; aos quais Ele também, depois de haver padecido, apresentou-se vivo, dando disto muitas provas, aparecendo-lhes por espaço de quarenta dias e falando das coisas concernentes ao reino de Deus. - Atos, I – 1 – 4.

 

A leitura e meditação dos - Atos dos Apóstolos, assim como acontece com todos os livros do Novo Testamento, nos proporcionam agradáveis momentos de instrução e, ao mesmo tempo, de consolação.

 

Muitas proposições ressaltam aos nossos olhos, ao abrir este livro, pequenino na verdade, mas grande no seu extraordinário escopo de levar a todos os lares os dados históricos da Missão Apostólica, em suas fases gloriosa e dolorosa, mas sempre proveitosas aos extraordinários seguidores do Ressuscitado da Galiléia e bem assim àqueles que quiseram e aos que querem seguir-lhes as pegadas.

 

O que logo ressalta às nossas vistas nesta tirada de Lucas, é a confirmação que o ilustre Evangelista faz do primeiro livro por ele escrito, ou seja, do 3º Evangelho, em que há tudo o que é necessário fazer e ensinar sobre os Preceitos de Jesus, desde o nascimento do Senhor em Belém, até o dia de Sua ascensão, inclusive as lições recebidas durante os quarenta dias em que o Mestre esteve com eles, aparecendo-lhes por esse espaço de tempo após Sua morte.

 

Este fato das aparições de Jesus, relatado por todos os Evangelistas e confirmado nas diversas Epístolas inseridas no Novo Testamento, é muito significativo e não pode deixar de constituir a base fundamental da Religião Cristã, como já temos dito em outras obras. Essas aparições são as provas positivas da continuidade da Vida do Divino Mestre e, portanto, do prosseguimento da Sua Missão, tal como Ele mesmo declarou, segundo refere o Evangelista João: - Não vos deixarei órfãos, eu voltarei a vós. Ainda um pouco, e depois o mundo não me verá mais, mas vós me vereis, porque eu vivo e vós vivereis‖. (XIV, 19). - Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei e ME MANIFESTAREI A ELE‖ – (XIV, 21).

 

O último trecho é a recomendação solene do Mestre para que eles não saíssem de Jerusalém, a fim de esperarem a promessa feita pelo Pai, a qual (disse Ele) de mim ouvistes. Essa promessa se refere à difusão do Espírito, bem caracterizada primeiramente no cap. VII, 37 – 39 de João: - No último, no grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tiver sede, venha a mim e beba. Quem crê em mim, como disse a Escritura, do seu interior manarão rios de água viva. Disse isto a respeito do Espírito que iam receber os que nele cressem, porque o Espírito ainda não fora dado, pois, Jesus não tinha sido ainda glorificado‖, E depois nos capítulos: XIV - Se me amais, guardai os meus mandamentos, e eu rogarei ao Pai, Ele vos dará outro Parácleto, a fim de que fique sempre convosco; o Espírito de Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; vós o conheceis, porque Ele habita convosco e estará em vós‖ (15,17). Eu vos tenho falado estas cousas, estando ainda convosco; mas o Parácleto, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que eu vos disse‖ (25, 26). Cap. XV: -Quando, porém, vier o Parácleto, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, esse dará testemunho de mim; e vós também dareis testemunho porque estais comigo desde o princípio‖ (26, 27). Cap. XVI: - Ainda tenho muitas coisas que vos dizer, mas vós não as podeis suportar agora; quando vier, porém, aquele Espírito de Verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que estão para vir. Ele me glorificará porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar‖ (12-14).

 

Na parte final do trecho acima transcrito, nós observamos a íntima ligação existente, entre a vinda do Parácleto e o Batismo referido pelo Batista: - Eu vos batizei com água, mas atrás de mim vem quem vos batizará com o Espírito Santo e com fogo‖ (Mateus, III, 11). Jesus confirma o que disse João Batista: - Porque João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo dentro de poucos dias‖ (Atos, 1, v. 5)

 

O ESPIRITO SANTO E A ASCENSÃO DE JESUS

 

Eles, pois, estando reunidos outra vez, perguntaram-lhe: Senhor, é agora, porventura, que restabeleces o reino de Israel? E Ele lhes respondeu: A vós não vos compete saber os tempos e as épocas, que o Pai fixou por sua própria autoridade; mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até as extremidades da Terra, E tendo dito estas coisas, foi Jesus elevado à vista deles, e uma nuvem o recebeu e ocultou aos seus olhos. E estando eles com os olhos fitos no céu enquanto Ele subia, eis que dois varões com vestiduras brancas se puseram ao lado deles, e lhes perguntaram: Galileus, porque estais olhando para o céu? Esse Jesus que dentre vós foi recebido no céu, assim virá do modo como o viste ir para o céu. – (Atos, I – v. 6 a 11).

 

Em uma obra anterior, fizemos esclarecimentos a respeito da palavra Espírito Santo, que a cada passo se encontra nos Evangelhos. Não será demais, entretanto, estendermo-nos em certas considerações a esse respeito, para que os leitores melhor compreendam o sentido das Escrituras, especialmente os -Atos dos Apóstolos‖ que nos propomos a respigar.

 

As antigas Escrituras não continham o qualificativo |santo| quando se falava do Espírito. Todos os Apóstolos reconheciam a existência de Espíritos, mas entre estes, bons e maus. No Evangelho de Lucas, X, lê-se: -Aquele que pede, obtém; o que procura, acha; abrir-se-á ao que bater; se vós sendo maus sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, com muito mais forte razão vosso Pai enviará do Céu um bom Espírito àqueles que o pedirem‖. (10 a 13). Foi só com a tradução das antigas Escrituras e constituição da Vulgata que esse qualificativo foi acrescentado, com certeza para fortificar o -Mistério da Santíssima Trindade‖, tirado de uma lenda hindu, aventado por comentadores das Escrituras, que desde logo após a morte de Jesus, viviam em querelas, em discussões sobre modos de se interpretar as Escrituras. Essa mesma -Trindade‖ é que foi proclamada como -artigo de fé‖, pelo Concílio de Nicéia, em 325, após ter sido rejeitada por três concílios.

 

O mistério da -S. S. Trindade‖ veio criar uma doutrina nova sobre a concepção do Espírito, atribuindo a este, quando revestido do qualificativo Santo, um ser misterioso, incriado, também Deus e coeterno com o Pai. Desvirtuada por completo de sua verdadeira significação, a promessa de Jesus não representa para as Igrejas Romana e Protestante, a difusão do Espírito, ou antes dos Espíritos, que, por ordem de Deus e enviados por Jesus, viriam restabelecer todas as coisas, mas sim um dom sobrenatural, um movimento de cérebro e de coração que Deus operou unicamente nos Apóstolos, no dia de Pentecostes. Nós vamos ver adiante, pelo enredo dos trechos dos -Atos‖, que esta doutrina é absolutamente errônea, não só errônea como também obstrutiva dos princípios cristãos, inutilizando por completo as Palavras de Jesus, Sua vida e os Ensinos Apostólicos, únicos capazes de quando recebidos em sua verdadeira significação, transformar o homem, guiando-o bem aos seus destinos imortais. Para maior esclarecimento desta tese, convidamos o leitor a consultar a importante obra de Léon Denis - -Cristianismo e Espiritismo‖, lendo, com especialidade, o 4º , 5º , e 6º cap. desta obra, bem como a 6ª Nota Complementar.

 

Ao estudar a Bíblia, todo o juízo preconcebido nos obscurece o entendimento. O qualificativo |santo| que se encontra na Bíblia para designar espírito bom, não deve absolutamente, ser interpretado como um ente misterioso, sibilino, que constitui a 3ª pessoa da S. S. Trindade. Mas sim, como sendo um Espírito adiantado, de bondade, de amor e sabedoria. Nós vemos, por exemplo, no Antigo Testamento (Daniel, XIII, 45), a seguinte notícia: -O Senhor suscitou o espírito santo de um moço chamado Daniel‖. Por aí se conclui claramente, que, tratando a Bíblia, em sua moderna publicação, de Espírito Santo, o qualificativo santo representa as qualidades superiores de um indivíduo. É bom que os leitores tomem nota desta elucidação, pois, ao transcrever as passagens dos -Atos‖, havemos de encontrar muitas vezes a palavra Espírito Santo, que não pode deixar de ser ligada a uma pessoa.

 

Desejavam os discípulos saber de Jesus a época do restabelecimento do Reino de Israel, mas o Senhor lhes respondeu que a eles não competia saber tempos, nem épocas, pois a sua tarefa era serem suas testemunhas não só em Jerusalém, como em toda a Judéia, Samaria e até nas extremidades da Terra. Ora, sabemos que as extremidades da Terra, ao tempo de Jesus, eram muito limitadas, e se essa tarefa ficasse adstrita unicamente àqueles seus discípulos, excluindo-se a lei da Reencarnação e o prosseguimento da sua ação do Mundo Espiritual em estado de Espíritos, ela ficaria absolutamente resumida a uma nação, e então a Religião do Cristo seria uma religião nacional, e não uma Religião Mundial, como é o seu verdadeiro caráter. Sendo a Doutrina de Jesus permanente, eterna, palavra que não passa, só considerando-a espiritualmente, sem o véu da letra, poderemos acolhê-la hoje com um cérebro forte e um coração que palpita, desejoso de Verdade e de progresso.

 

Ficamos compreendendo, além de tudo, que Jesus conversava com os Seus discípulos, depois de ter morrido, dando-lhes instruções e ordenando-lhes a observância de Seus Ensinos. Esses quarenta dias em que o Mestre esteve com eles, foram aproveitados, para lhes repetir os seus Ensinamentos, firmar-lhes a Fé, e tornar àqueles que deveriam levar por todo o mundo a Palavra da Ordem, fiéis obreiros, trabalhadores dedicados e intemeratos, pois teriam a seu lado Espíritos para os auxiliar em todas as conjunturas e fazerem com que persistissem até o fim. E foi só depois de lhes ter dito tudo o que era preciso, de lhes ter dado todas as instruções necessárias que, segundo refere Lucas, o Mestre elevou-se às alturas, desmaterializando-se diante dos olhos de todos.

 

Os espíritas compreendem bem esses fenômenos de materialização e desmaterialização, tão extraordinariamente verificados com Jesus e referidos nos Evangelhos. E diz o texto que, enquanto eles tinham os olhos fitos no céu, maravilhados da ascensão de Jesus, eis que apareceram e se puseram ao lado deles dois varões com vestiduras brancas e lhes perguntaram: -Galileus, porque estais olhando para o céu? Esse Jesus que dentre vós foi recebido no céu, assim virá do modo como o viste ir para o céu‖. Esta sessão foi verdadeiramente imponente, pois até os varões, materializados, falaram, dando explicações e revelando coisas futuras, como a nova vinda de Jesus, como todos esperamos, e não reencarnado, mas sim semelhante à Sua estada, quando ressuscitado, ou seja, materializado. E quem seriam esses varões, que vieram trazer-lhes o seu testemunho? O Evangelista não o diz, mas nós julgamos que foram os mesmos que se mostraram aos Apóstolos no Tabor, como testemunhos da Excelsa Missão de Jesus, Moisés e Elias: um representando a Lei, outro os Profetas, que, ao ver de Jesus, são incluídos nos Seus preceitos de Amor a Deus e ao próximo.

 

Do livro Vida e Atos dos Apóstolos, de Cairbar Schutel  1ª Edição – 1933.