artigo da semana

-LIBERDADE-

Por Marta Antunes Moura - martaantunes@febnet.org.br

 

Uma colaboração de Estênio Negreiros (estenio.gomesnegreiros57@gmail.com)

 

 

Uma declaração supostamente atribuída ao admirável líder pacifista Mahatma Gandhi (Mohandas Karamchand Gandhi – 1869-1948), define o verdadeiro sentido de liberdade: “A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência.”1

 

Ser livre é, pois, questão de foro íntimo, de maturidade espiritual, de consciência, enfim. Consciência que, segundo o dicionário, se expressa como o “sentimento ou conhecimento que permite ao ser humano vivenciar, experimentar ou compreender aspectos ou a totalidade de seu mundo interior.”2 Ou ainda: “sentido ou percepção que o ser humano possui do que é moralmente certo ou errado em atos e motivos individuais […].”2

 

Coerentes com esta linha de pensamento, os Espíritos Orientadores afirmam: “[…] A liberdade de consciência é uma das características da verdadeira civilização e do progresso.”3

 

O foco central da afirmação de Gandhi e de outras ideias semelhantes, difundidas por respeitáveis filósofos e estudiosos, se reduz, a uma questão básica: o grau de desenvolvimento moral é que nos conduz à compreensão de que somos pessoas livres, ou não. Assim, agir segundo a própria vontade, sem que os nossos atos prejudiquem, de alguma forma, o próximo, requer certo senso de responsabilidade, que é adquirido gradativamente, ao longo do processo evolutivo e que nos torna capaz de discernir entre o bem e o mal.

 

Asseveram os Espíritos Superiores: “[…] O bem é sempre bem e o mal é sempre o mal, seja qual for a posição do homem; a diferença está no grau de responsabilidade. ”4 Esta orientação nos conduz, naturalmente à seguinte equação, que pode ser lida em ambos os sentidos, da esquerda para direita e vice-versa:

 

Liberdade ↔ Consciência Moral ↔ Conhecimento do Bem e do Mal ↔ Responsabilidade ↔ Escolhas acertadas

 

Allan Kardec, por sua vez, pondera o quanto as nossas escolhas exercem papel fundamental na nossa liberdade, e, consequentemente em nossa felicidade:

 

“As circunstâncias dão relativa gravidade ao bem e ao mal. Muitas vezes o homem comete faltas que, embora decorrentes da posição em que a sociedade o colocou, não são menos repreensíveis. Mas a sua responsabilidade é proporcional aos meios de que ele dispõe para compreender o bem e o mal. É por isso que o homem esclarecido que comete uma simples injustiça é mais culpado aos olhos de Deus do que o selvagem ignorante que se entrega aos seus instintos.” 5

 

O conceito de liberdade revela-se bem mais amplo quando se considera o indivíduo como integrante de grupos ou coletividades, as quais são governadas por normas que regulam a vida em sociedade. Neste contexto, a liberdade é entendida como:

 

1.O grau de independência legítimo que um povo ou uma nação elege como valor supremo, como ideal. 2. Conjunto de direitos reconhecidos ao indivíduo, isoladamente ou em grupo, em face da autoridade política e perante o Estado; poder que tem o cidadão de exercer a sua vontade dentro dos limites que lhe faculta a lei.”6

 

Em consequência, surge uma regra da convivência humana muito simples, que deve ser manifestada nos diferentes cenários da existência: no lar, na escola, no ambiente profissional ou em qualquer ambiente da vida de relação social. Tal regra foi assim anunciada pelo conhecido filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903): “A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro”7. Contudo, antes do filósofo chegar a esta conclusão, Jesus transmitia um ensinamento antiquíssimo e atemporal, denominado a Regra de Ouro: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-o também vós a eles; porque esta é a lei e os profetas (Mateus, 7:12)

 

Percebemos, portanto que a liberdade humana é sempre relativa. Segundo a Doutrina Espírita, a liberdade absoluta só poderia existir em duas situações: primeira, a de quem vive totalmente isolado, como o “[…] eremita no deserto. Desde que dois homens estejam juntos, há entre eles direitos a serem respeitados e, portanto, nenhum deles gozará de liberdade absoluta.”8 A segunda seria expressa por meio do pensamento: “É pelo pensamento que o homem goza da liberdade sem limites, pois o pensamento não admite barreiras. Pode-se deter o seu ímpeto, mas não aniquilá-lo.”9

 

A busca pela liberdade absoluta é um anseio historicamente manifestado em diferentes movimentos revolucionários. Contudo, a História revela que os detentores de liberdade ilimitada transformaram-se em opressores que subjugaram pessoas e nações. O mau uso da lei de liberdade é uma questão de ordem moral geradora de futuras provações.

 

Apresentamos como fechamento deste modesto estudo, um resumo das ideias de Allan Kardec – ideias muito lúcidas, diga-se de passagem – a respeito do ideal iluminista, ilustrado em três palavras: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. O texto completo do Codificador encontra-se em Obras Póstumas, o qual sugerimos ao leitor leitura atenta e reflexiva.

 

ABRANGÊNCIA DOS TERMOS LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE SEGUNDO O ESPIRITISMO

 

[…]. Estas três palavras representam, por si sós, o programa de toda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da Humanidade, se o princípio que elas traduzem pudesse receber integral aplicação. […].10

 

Considerada do ponto de vista da sua importância para a realização da felicidade social, a fraternidade está na primeira linha: é a base; sem ela não poderiam existir a igualdade nem a liberdade séria. A igualdade decorre da fraternidade e a liberdade é consequência das duas outras. […]. Tratar alguém de irmão é trata-lo de igual para igual: é querer para ele o que para sim próprio quereria. […].11

 

A fraternidade, na rigorosa acepção do termo, resume todos os deveres dos homens, uns para com os outros; significa devotamento, abnegação, tolerância, benevolência, indulgência. […]. É o oposto do egoísmo. […].12

 

[…]. Num povo de irmãos, a igualdade será consequência de seus sentimentos, da maneira de procederem, e se estabelecerá pela força mesma das coisas. Qual, porém, o inimigo da igualdade? O orgulho, que leva o homem em toda parte à primazia e ao domínio, que vive de privilégios e de exceções […].13

 

Como já dissemos, a liberdade é filha da fraternidade e da igualdade. Falamos da liberdade legal, não da liberdade natural, que é, imprescindível para toda a criatura humana, desde o selvagem até o homem civilizado. Vivendo como irmãos, com direitos iguais, animados do sentimento de benevolência recíproca, os homens praticarão entre si a justiça. […] A liberdade não oferecerá qualquer perigo, porque ninguém pensará em abusar dela em prejuízo dos semelhantes. […].14

 

Conclui-se, pois, que a primeira equação aqui proposta (Liberdade, Consciência Moral, Conhecimento do Bem e do Mal, Responsabilidade, Escolhas acertadas) só se efetiva, concretamente, se for completada por outra equação: a que determina ser a liberdade guiada pela fraternidade e pela igualdade.

 

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Referências Bibliográficas

 

https://portalfilosofico.com.br/mahatma-gandhi-o-que-e-liberdade/ Acesso em 24 de setembro de 2023.

 

HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houiass da língua portuguesa. 1 ed. Rio de Janeiro: Objetiva,2009, p. 526 (verbete consciência).

 

KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra.4 ed. 1 imp. Brasília: FEB, 2013, q. 837, p. 360, Q. 636, p. 289, Q. 637- comentário, p. 289.

 

HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houiass da língua portuguesa. 1 ed. Rio de Janeiro: Objetiva,2009, p. 1175 (verbete liberdade).

 

http://brasilescola.uol.com.br/sociologia/consciencia-e-liberda-humana-texto-2.htm Acesso em 27 de julho de 2017.

 

KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra.4 ed. 1 imp. Brasília: FEB, 2013, q. 826, p. 357, q. 833, p. 359.

 

KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Primeira parte, item: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, p.307, p. 308, p. 309.

 

Publicado na página https://www.febnet.org.br/portal/2023/09/26/liberdade/ em 26/9/2023.