artigo da semana

-O ESPIRITISMO EM BORDEAUX-

Por Allan Kardec

 

Uma colaboração de Estênio Negreiros (estenio.gomesnegreiros57@gmail.com)

 

 

Se Lyon fez o que se poderia chamar o  seu pronunciamento em face do  Espiritismo, Bordeaux não ficou atrás,  porque quer também tomar um dos  primeiros lugares na grande família.  Pode-se julgar pelo relato que damos,  da visita que acabamos de fazer aos  espíritas dessa cidade, a seu convite.  Não foi em alguns anos, mas em alguns  meses, que a Doutrina ali tomou  proporções imponentes em todas as  classes sociais. Constatamos, logo de  início, um fato capital. É que lá,  como em Lyon e em muitas outras  cidades que visitamos, vimos a  Doutrina encarada do mais sério ponto  de vista e sob o das suas aplicações  morais. Ali, como alhures, vimos  inumeráveis transformações,  verdadeiras metamorfoses; caracteres  hoje irreconhecíveis; gente que em  nada cria, trazida às ideias  religiosas pela certeza do futuro,  para eles agora palpável. Isto dá a  medida do espírito que reina nas  reuniões espíritas, já muito  multiplicadas. Em todas as que  assistimos, vimos o mais edificante  recolhimento e um ar de mútua  benevolência entre os assistentes. As  pessoas se sentem num meio simpático,  que inspira confiança.

 

Os operários de Bordeaux nada ficam a  dever aos de Lyon. Ali se contam  numerosos e fervorosos adeptos, cujo  número aumenta todos os dias. Sentimo-  nos feliz em dizer que saímos de suas  reuniões, edificados pelo piedoso  sentimento que as preside, bem como  pelo tato com o qual sabem guardar-se  contra a intrusão dos Espíritos  enganadores. Um fato que constatamos  com satisfação é que homens, por vezes  em posição social eminente, se  misturam aos grupos plebeus com a mais  fraterna cordialidade, deixando os  títulos à porta, assim como simples  trabalhadores são acolhidos com igual  benevolência entre os grupos de uma  outra c lasse social. Por toda parte o  rico e o operário se apertam as mãos  cordialmente. Disseram-nos que essa  aproximação dos dois extremos da  escala social entrou nos hábitos da  região e nos felicitaram por isto. As  pessoas reconhecem que o Espiritismo  veio dar a esse estado de coisas uma  razão de ser e uma sanção moral,  mostrando em que consiste a verdadeira  fraternidade.

 

Encontramos em Bordeaux muito  numerosos e muito bons médiuns em  todas as classes, de ambos os sexos e  de todas as idades. Muitos escrevem  com grande facilidade e obtêm  comunicações de alto alcance, o que,  aliás, os Espíritos nos haviam  revelado antes de nossa partida. Não  se pode senão elogiá-los pelo  devotamento com que prestam seu  concurso nas reuniões. Mas o que é  ainda melhor é a abnegação de todo o  amor-próprio a respeito das  comunicações. Ninguém se julga  privilegiado e intérprete exclusivo da  verdade. Ninguém procura impor-se nem  impor os Espíritos que os assi stem.  Todos submetem com simplicidade o que  obtêm ao julgamento da assembleia, e  ninguém se ofende nem se fere com a  crítica. Aquele que recebe falsas  comunicações consola-se aproveitando  as boas que outros obtêm e dos quais  não têm ciúmes. Dá-se o mesmo em toda  parte? Ignoramos. Constatamos o que  vimos; constatamos, também, que se  compenetraram do princípio de que todo  médium orgulhoso, ciumento e  suscetível não pode ser assistido por  bons Espíritos e que nele tal capricho  é motivo de suspeita. Longe, pois, de  buscar tais médiuns, se são  encontrados, a despeito da eminência  de sua faculdade, eles seriam  repelidos por todos os grupos sérios,  que querem, antes de tudo, ter  comunicações sérias, e não visar os  efeitos.

 

Entre os médiuns que vimos, há uma que  merece menção especial. É uma jovem de  dezenove anos que à faculdade de  escrevente alia a de médium desenhista  e músico. Ela fez mecanicamente, sob o  ditado de um Espírito que disse ser  Mozart, a notação de um trecho de  música que não o desacreditaria. O  Espírito assinou a partitura, e várias  pessoas que viram os seus autógrafos  atestaram a perfeita identidade da  assinatura. Mas o trabalho mais belo  é, sem contradita, o desenho. É um  quadro planetário de quatro metros  quadrados de superfície, de um efeito  tão original e t&atild e;o singular  que nos seria impossível dar uma ideia  pela descrição. É trabalhado em creiom  preto, pastel de diversas cores e  esfuminho. O quadro, começado há  meses, ainda não está terminado. É  destinado pelo Espírito à Sociedade  Espírita de Paris. Vimos a médium à  obra e ficamos maravilhado, tanto com  a rapidez quanto com a precisão do  trabalho. Inicialmente, como treino, o  Espírito a fez traçar, com mão livre e  num único movimento, círculos e  espirais de quase um metro de diâmetro  e de tal regularidade, que se  encontrou perfeitamente exato o centro  geométrico. Nada podemos dizer ainda  do valor científico do quadro. Mas,  admitindo seja uma fantasia, não deixa  de ser, como trabalho mediúnico, coisa  bem notável. Como o original tinha de  ser enviado a Paris, o Espírito  aconselhou que o fotogra fassem, para  ter várias cópias.

 

Um fato que devemos mencionar é que o  pai da médium é pintor. Como artista,  acha que o Espírito contrariava as  regras da arte e pretendia dar  conselhos. Assim o Espírito o proibiu  de assistir ao trabalho, para que a  médium não lhe sofresse a influência.

 

Até há pouco tempo a médium não havia  lido nossas obras. O Espírito lhe  ditou, para nos ser entregue à nossa  chegada, que ainda não estava  anunciada, um pequeno tratado de  Espiritismo, com todos os pontos em  conformidade com o Livro dos  Espíritos.

 

Seria presunção enumerar os  testemunhos de simpatia que recebemos  e as atenções e delicadezas de que  fomos objeto. Certamente haveria com  que excitar o nosso orgulho, se não  tivéssemos pensado que era uma  homenagem prestada antes à Doutrina do  que à nossa pessoa. Pelo mesmo motivo  tínhamos hesitado em publicar alguns  discursos pronunciados e que realmente  nos deixam perplexos. Fazendo sentir  nossos escrúpulos a alguns amigos e a  vários membros da Sociedade, disseram-  nos que esses discursos eram um  indício da situação da Doutrina e que,  sob tal ponto de vista, era instrutivo  para todos os espíritas conhecê-lo s;  que, por outro lado, sendo as palavras  a expressão de um sentimento sincero,  os que as tinham pronunciado poderiam  sentir-se magoados, se por um excesso  de modéstia, nos abstivéssemos de  reproduzi-las. Poderiam ver nisto  indiferença de nossa parte. Sobretudo  esta última consideração nos  determinou. Esperamos que os leitores  nos julguem um espírita  suficientemente bom para não trair os  princípios que professamos, fazendo  deste relato uma questão de amor- próprio.

 

Desde que transcrevemos esses diversos  discursos, não queremos omitir, como  traço característico, a pequena  alocução recitada com uma graça  encantadora e um ingênuo entusiasmo  por um pequenino de cinco anos e meio,  filho do Sr. Sabò, à nossa chegada ao  seio dessa família realmente  patriarcal, e sobre a qual o  Espiritismo derramou a mancheias suas  benfeitoras consolações. Se toda a  geração que se ergue estivesse imbuída  de tais sentimentos, seria permitido  entrever como muito próxima a mudança  que se deve operar nos costumes  sociais e que, de todos os lados, é  anunciada pelos Espíritos. N ão  penseis que aquela criança haja feito  a sua pequena saudação como um  papagaio. Não. Ele captou-lhe muito  bem o sentido. O Espiritismo, no qual  foi, por assim dizer, embalado, já é,  para a sua jovem inteligência, um  freio que ele compreende perfeitamente  e que sua razão, desenvolvendo-se, não  repelirá.

 

Eis o pequeno discurso do nosso  amiguinho Joseph Sabò, que ficaria  muito triste se não o visse publicado:  “Sr. Allan Kardec, permiti que a mais  jovem de vossas crianças espíritas  venha neste dia que ficará para sempre  gravado em nossos corações, exprimir-  vos a alegria causada por vossa vinda  ao nosso meio. Ainda estou na  infância, mas meu pai já me ensinou  que são os Espíritos que se manifestam  a nós; a docilidade com que devemos  seguir seus conselhos; as penas e  recompensas que lhes são atribuídas, e  daqui a alguns anos, se Deus assim o  permitir, também quero, sob vossos  auspícios, tornar-me um digno e  fervoroso apóstolo do Espiritismo,  sempre submisso ao vosso saber e à  vossa experiência. Em troca destas  poucas palavras, ditadas por meu  pequeno coração, conceder-me-eis um  beijo, que não ouso pedir?”

 

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