artigo da semana

-A ÚLTIMA TENTAÇÃO-

Por Irmão X (Humberto de Campos)

 

Uma colaboração de Estênio Negreiros (estenio.gomesnegreiros57@gmail.com)

 

 

Dizem que Jesus, na hora extrema, começou a procurar os discípulos, no seio da agitada multidão que Lhe cercava o madeiro, em busca de algum olhar amigo em que pudesse reconfortar o espírito atribulado…

 

Contemplou, em silêncio, a turba enfurecida.

 

Fustigado pelas vibrações de ódio e crueldade, qual Se devera morrer, sedento e em chagas, sob um montão de espinhos, começou a lembrar os afeiçoados e seguidores da véspera…

 

Onde estariam Seus laços amorosos da Galileia?…

 

Recordou o primeiro contato com os pescadores do lago e chorou.

 

A saudade amargurava-Lhe o coração.

 

Por que motivo Simão Pedro fora tão frágil? Que fizera Ele, Jesus, para merecer a negação do companheiro a quem mais se confiara?

 

Que razões teriam levado Judas a esquecê-Lo? Como entregara, assim, ao preço de míseras moedas, o coração que o amava tanto?

 

Onde se refugiara Tiago, em cuja presença tanto se comprazia?

 

Sentiu profunda saudade de Filipe e Bartolomeu, e desejou escutá-los.

 

Rememorou Suas conversações com Mateus e refletiu quão doce Lhe seria poder abraçar o inteligente funcionário de Cafarnaum, de encontro ao peito…

 

De reminiscência a reminiscência, teve fome da ternura e da confiança das criancinhas galileias que Lhe ouviam a palavra, deslumbradas e felizes, mas os meninos simples e humildes que O amavam perdiam-se, agora, a distância…

 

Recordou Zebedeu e suspirou por acolher-se-lhe à casa singela.

 

João, o amigo abnegado, achava-se ali mesmo, em terrível desapontamento, mas precisava socorro para sustentar Maria, a angustiada Mãe, ao pé da cruz.

 

O Mestre desejava alguém que O ajudasse, de perto, em cujo carinho conseguisse encontrar um apoio e uma esperança…

 

Foi quando viu levantar-se, dentre a multidão desvairada e cega, alguém que Ele, de pronto, reconheceu. Era o mesmo Espírito perverso que O tentara no deserto, no pináculo do templo e no cimo do monte.

 

O Gênio da Sombra, de rosto enigmático, abeirou-se Dele e murmurou:

 

— Amaldiçoa os Teus amigos ingratos e dar-Te-ei o reino do mundo! Proclama a fraqueza dos Teus irmãos de ideal, a fim de que a justiça Te reconheça a grandeza angélica e descerás, triunfante, da cruz!… Dize que os Teus amigos são covardes e duros, impassíveis e traidores e unir-Te-ei aos poderosos da Terra para que domines todas as consciências. Tu sabes que, diante de Deus, eles não passam de míseros desertores…

 

Jesus escutou, com expressiva mudez, mas o pranto manou-Lhe mais intensamente do olhar translúcido.

 

— Sim, — pensava, — Pedro negara-O, mas não por maldade. A fragilidade do apóstolo podia ser comparada à ternura de uma oliveira nascente que, com os dias, se transforma no tronco robusto e nobre, a desafiar a implacável visita dos anos. Judas entregara-O, mas não por má-fé. Iludira-se com a política farisaica e julgara poder substituí-Lo com vantagem nos negócios do povo.

 

Encontrou, no imo dalma, a necessária justificação para todos e parecia esforçar-Se por dizer o que Lhe subia do coração.

 

Ansioso, o Espírito das Trevas aguardava-Lhe o pronunciamento, mas o Cordeiro de Deus, fixando os olhos no céu inflamado de luz, rogou em tom inesquecível:

 

— Perdoa-lhes, Pai! Eles não sabem o que fazem!…

 

O Príncipe das Sombras retirou-se apressado.

 

Nesse instante, porém, ao invés de deter-Se na contemplação de Jerusalém dominada de impiedade e loucura, o Senhor notou que o firmamento rasgara-se, de alto a baixo, e viu que os anjos iam e vinham, tecendo de estrelas e flores o caminho que O conduziria ao Trono Celeste.

 

Uma paz indefinível e soberana estampara-se-Lhe no semblante.

 

O Mestre vencera a última tentação e seguiria, agora, radiante e vitorioso, para a claridade sublime da ressurreição eterna.

 

Publicado na página Livro Contos e Apólogos - (1ª Ed.) - Irmão X - Capítulo 26 - A Última Tentação - https://bibliadocaminho.com/